sábado, julho 15, 2006

Carta aberta

Bom, chegou o momento de falar eu. Vou tentar conter-me, pois, afinal, no fim de tudo, já formaste uma má imagem de mim… Ironia do destino… Vou tentar ser breve, e tentar que as minhas palavras expressem o que realmente quero dizer, para que não haja más interpretações como sempre fazes do que digo.

Não sei por onde hei-de começar… Tanto que quero dizer, e tão pouca inspiração. Logo agora que precisava dela, ela abandona-me… Enfim, com ou sem inspiração, não pode esperar mais. Não posso esperar mais. Chegou o momento, e é agora, de uma vez por todas.

Se há algo que esta vida me ensinou, é que não estou adaptado a viver neste mundo… Acaso a selecção natural de Darwin actuasse nos humanos, não existiria há muito, acaso a ambição natural de Lamarck existisse, eu surgiria na sequência de antepassados pouco ambiciosos… Senão, como justificar a minha confiança cega, o meu total desprendimento de mim próprio quando se trata de ajudar os outros? Como justificar que tão facilmente caia eu nas malhas do destino, e me deixe levar pelos mais negros dos fados? Ah, como a verdade nua e crua dói, purificando; como destrói, sarando… Se a vida castiga os ingénuos, eu estou bem vivo.

Por onde começar? Por onde pegar para desenrolar tudo o que levará à quebra do status quo possível em que temos vivido? Certamente não haverá modo certo ou errado de o fazer… As ideias, as mesmas. Os sentimentos os mesmos.

Bom, em tempos idos, certamente que toldado por mentiras, enredos e simulações, não só negaria que te imputo tudo o que na realidade fizeste, como assumiria facilmente parte desse peso em mim próprio… E pouco era o teu esforço para isso… Mas agora? Acabou. Tentaste fazer-me pensar o contrário, mas não funcionou. Como te atreveste a usar os meus erros como defesa dos teus? Como pensaste que irias aliviar minimamente os teus actos com actos meus? Eu sou apenas um peão num jogo de xadrez. Um duque num jogo de cartas… Não poderia errar na dimensão que tentas fazer aparecer, porque simplesmente, não me foi conferido poder para isso.

Analisemos um pouco a situação. Errei sim, não me custa admiti-lo: palavras, que como todas, são só palavras; como palavras agrestes tiveste comigo, e que acatei como bom menino… Mas não deixaste de as dizer, e portanto, não sei como me culpas das minhas quando tantas tuas disseste. Erros pontuais, todos os temos, e nisso, somos ambos iguais. Não penses que errava mais que tu, pois eu calava o meu sofrimento, por ti. Não entenderias, certamente. […]* Ofende-me até que penses que sou insensível e inconsciente a esse ponto… Cada vez mais me questiono quem pensas que sou. Talvez no final consigas entender o que pensei, porque o pensei, e porque perdi a minha habitual presença de espírito e te tratei com tal não digo desprezo, mas indiferença quase. Ah, e já agora, obrigado por te ter sido tão fácil espalhar esse meu lapso, por já não bastasse ser um peão mas ainda mais ser mostrado como inferior…

E comparando isso com o que me foi feito, o que pode um peão ter feito, quando enfrentava um dilúvio de peças contrárias? Nada… Gotas no oceano. Areias em imensas praias detríticas… Quando penso em tudo o que fizeste, fico abalado em como pode acontecer. Em como pode alguém ter agido assim. E tu, por teu lado, resumes a situação a eu me sentir “triste e revoltado”, por não te ter conseguido ter a meu lado. Que os teus erros comigo foram iludires-me com sonhos de união, com promessas de levadas pelo quanto gostavas de mim e me querias bem. Ah, como podes estar tão enganada? Sim, porque não concebo possível alguém ser tão dissimulado, alguém agir fechando os olhos a tanto… Não aqui. Não fora do quadradinho mágico da televisão. Não fora do ecrã gigante de um cinema… Não ressentiria se assim fosse, apenas eu, sozinho, no meu canto, sabendo a verdade e olhando em frente, para lutar ou para esquecer, e não terias de mim uma palavra se não fosse. Pensa um pouco, e talvez repares em alguém a meu lado que seja a prova viva de que assim é. E portanto, quando dizes que fizeste tudo para te redimires, não fizeste aquilo que eu espero de alguém para que consiga perdoar… Não quiseste assumir a verdade como ela é, não quiseste olhar os factos de frente como eles são. Sei hoje mais ainda do que a verdade de me ter afastado de ti com teus erros, e de novo me teres puxado para lá da amizade; só por si, facto que não aceitas. Até aí, achas discutível, sempre fui eu o culpado disso, sempre fui eu que fiz que acontecesse. Mais uma vez, eu sou apenas um peão, não tenho esse poder que me imputas. Aliado a isto que surge? Surge aquilo que ias fazendo por trás. Surge aquilo que ias buscando(sim, buscando, não deixando acontecer por tua fraqueza…). Surge aquilo que mais magoa e pelo qual nunca buscaste perdão, te limitaste a agir como se não acontecesse. Sabes do que falo, porque sabes o porquê do facto de eu ser tão ingénuo te fazer ter tanta pena de mim. Ainda não? Bom, não são só as mulheres que não conseguem manter a boca calada. Aconteceu uma vez à vista de todos, e muitas mais “no escuro”…

Sabendo de tudo isto, é premente perguntar porque recusei outrora tratar-te como mera conhecida… Desespero de ver distante quem amava? Não. Apenas respeito pela amizade que outrora nos uniu, pelo quanto outrora estivemos ligados. Não entenderás decerto isso, pois não conheces o elo que me liga às pessoas de quem gosto… Esse sentimento tão puro e tão belo… E pensava que podia virar a cara a tudo, em nome do que tínhamos sido, do quanto eu queria que voltasse a haver aquela amizade que floriu naqueles curtos meses depois da festa do galamba… Só deus sabe como tentei ser indiferente, como tentei fazê-lo para poder depois resgatar o que tínhamos de melhor… Negarás decerto isto, sei-o, mas nunca poderás saber o quanto me esforcei… E quanto mais me esforçava, mais tua palavras e teus actos me mostravam que estava enganado, que meu esforço não serviria de nada. Irónico, de novo, o destino.

Ah, e a palavra esforço… Para ti, o teu esforço foi nunca desistir de mim. O teu esforço foi quereres-me sempre a teu lado. Mas pergunto eu, que outra coisa poderias tu fazer, sendo-te eu sempre tão dedicado, dando eu sempre tudo por te alegrar, consolar, enfim, e não tendo tu razão para desistir de mim? Erravas comigo e abandonavas-me? Não faria sentido. Não faz sentido.

Chego por fim a estes tempos em que pensaste que seria tudo igual, que seria como se nada tivesses feito, como se teu mero esforço, em que, diga-se de passagem, te limitaste a tentar exercer a tua comum influencia para parecer que não tinha razões para ter deixado de te tratar como tratava, ou que não havia razão para já não me puderes tratar como tratavas, ou ambas, e achaste que eu desprezava esse esforço. Oh santa mãe de Deus. Como podias tu esperar de mim amizade como essa que tínhamos, dedicação como essa que tínhamos, depois de tudo aquilo que fizeste? Como podes esperar que aja como igual quando sou um peão que ainda por cima foi tombado? Deixou de dar. Disseste um dia “nunca esperei perder um amigo”. Perdeste bem mais do que isso. Perdeste a admiração dos que te rodeiam. Perdeste o que mais ambicionavas, para sempre. Perdeste a felicidade que a ti te era tão fácil… Por fim, perdeste o que busco nos que me rodeiam: confiança, dedicação, lealdade, sinceridade… Perdeste até a confiança em palavras como “adoro-te” e como “je t’aime”. E por isso, aceito hoje a distância que me ofereceste em tempos. Tenho pena pelo que fomos, mas já foi, e tu própria já disseste que, mesmo sendo essencial, te habituarias a viver sem mim.

Acredita que tenho pena de ti. Que tenho pena daquilo em que te tornaste, que tenho pena de abandonar um barco que já tinha suportado tanto... Não sei o que te fez mudar. Não sei, sequer, se essa mudança ainda perdura ou está enterrada no tempo. Mas perdi a vontade de descobrir, dei-te uma margem de erro demasiado grande e mesmo assim usaste e abusaste dela. Um dia, talvez te apercebas da profundidade do que escrevo, um dia olharás para tudo isto com outros olhos e talvez entendas pormenores que hoje te escapam. E nesse dia, saberás onde me encontrar.

Beijo,

Bruno

*Parágrafo censurado devido a conter informações sigilosas…

1 comentário:

Anónimo disse...

Um peão perdido no meio do jogo não é nada. Mas eu sou outro peão. E com mais 6 peões como nós, temos uma barreira a evitar o Xeque Mate. Os peões são necessários no jogo de xadrez, no jogo da vida.